LUTO, PERDA E SEPARAÇÃO

LUTO SAC (3)

UM ADEUS DIFÍCIL
Não é fácil dizer adeus. Não é fácil reconhecer que o objeto amado jamais retornará. O impacto de uma perda é sempre marcante. Esse fenômeno envolve sujeito, objeto e suas representações. Por isso às vezes é tão doloroso e estarrecedor se desligar.

Estamos falando do luto, mas não produzido exclusivamente pela morte. Todo processo de separação de um objeto e elaboração desta perda envolve um luto e exige um trabalho psíquico.

Quando nos mudamos de casa, bairro, cidade, etc. temos de nos adaptar à nova vizinhança, novos amigos, nova escola, novos lugares de lazer. Quando somos demitidos de um emprego temos de encarar novamente o mercado de trabalho, outro posto, outro chefe, outra função, outros colegas de trabalho. Quando um namoro ou casamento chega ao fim, temos de assimilar a perda daquele toque, daquele corpo, daquela voz, de toda a simbologia que aquela pessoa detinha. Quando alguém parte dessa vida, temos a impressão de que uma parte de nós também se foi, e a dor é quase insuportável. Às vezes um luto ocorre não por um objeto, mas por um ritual, um sistema, uma atividade, como quando um esportista atinge determinada idade e não pode mais competir. Por fim, situações de injustiça podem constituir um luto, como uma fraude, uma perda, um crime, como alguém que perde uma medalha numa prova por força de uma trapaça.

Nossa mente reluta em aceitar, e quando o processo é mal elaborado, a separação pode se tornar patológica. Freud discorreu sobre o assunto em seu texto bastante conhecido “Luto & Melancolia”, onde apresenta algumas características do processo e faz uma distinção entre os dois fenômenos, o que chamou de traços mentais:
– Desânimo profundamente penoso;
– Cessação de interesse pelo mundo externo;
– Perda da capacidade de amar;
– Inibição de toda e qualquer atividade;
– Diminuição dos sentimentos de autoestima;
– Autorrecriminação e auto-humilhação.sac MORTE

Para Freud, luto e melancolia são semelhantes em manifestação, porém, no luto, não ocorre uma perturbação na autoestima, ou seja, não há deslocamento da representação do objeto para si mesmo, o que traz prejuízos a autoimagem. Além disso, o processo de luto natural tem começo, meio e fim. Na aceitação ocorre a elaboração da perda e o deslocamento da energia para novos objetos, para um novo amor.

Mas por que é tão difícil aceitar a perda?

A REALIZAÇÃO DA PERDA ocorre em etapas.

Recusa à realidade: O objeto possui valor simbólico e características que são únicas, singulares e isso implica dizer que será, em sua dimensão imaginária e simbólica, insubstituível. Essa negação aparece nos discursos de fuga, como quando se diz “estamos dando um tempo” para se referir ao fim de um namoro.

Identificação alternante: Além da negação da realidade, outra manifestação ocorre durante o percurso, a incidência de dois afetos, culpa e raiva. Na culpa, o sujeito assume a responsabilidade pelo fim, e seu discurso terá um caráter de tentativa de reparação: “Se eu tivesse agido de outra forma” ou “Eu não fui boa o suficiente para ele”. Na raiva, o sujeito atribui ao outro a responsabilidade: “Ele não colaborou”, “Ele não me amou o suficiente”.

Repetição: Aqui podemos identificar um acúmulo de lutos. Uma sobreposição de outras perdas passadas que fazem emergir a angústia. Isso ocorre com frequência quando não há tempo ou condições para elaboração da perda, como quando mudamos de residência seguidas vezes num curto espaço de tempo, quando iniciamos uma relação amorosa pouco tempo após um término. Aqui o discurso apontará para uma sequência de fatos: “Eu nunca dou certo com ninguém”, “Isso só acontece comigo”, “Mais uma vez estou sofrendo por isso”.

Deixar-se perder: Em determinado momento começamos a olhar para aquilo que se foi. O momento das lembranças e histórias contadas no tempo passado. Da percepção e valorização das experiências independentemente do objeto. Nesta etapa ocorre uma percepção do que foi perdido junto com o objeto, o que ele representava, o que simbolizava. É um momento não apenas de deixar ir, mas também de me permitir estar livre: “Foi bom enquanto durou”.

Ganho: Há ainda uma possibilidade diante desta perda. A de que o sujeito reconheça um enriquecimento, um acréscimo, uma vantagem. Uma etapa que exige lidar com sentimentos ambivalentes de dor e satisfação. Ocorre quando o ente que partiu deixa um bem ou herança, quando o fim do casamento resulta em parte dos bens ou retorno da liberdade. Um processo difícil justamente porque depende da superação do sentimento de culpa.

LUTO MAL ELABORADO

Há situações em que o fim não é processado, não é completo, não é significado. Quando o trabalho relatado por Freud não frui com sucesso. Há relatos, por exemplo, de mulheres gravidas que, diante da morte de um ente querido, temem que a dor e a tensão possam prejudicar sua gestação e ocasionblack-and-white-image-of-rosear a perda do bebê. Nos casos de luto em consequência de crimes, é comum que o desejo por justiça cause uma interrupção no processo, de forma que o sujeito “não descansa” enquanto o culpado não é julgado e condenado. Há casos em que a perda de uma pessoa com quem se teve um atrito, briga, confusão, ruptura, torna-se em culpa de grandes proporções que impede o deixar partir, gerando um desejo de reparação. Essas e outras situações são exemplos de como a separação, o luto, a perda do objeto pode suscitar um mal-estar.

O mais importante ao fim das etapas do luto, seja em que experiência for, é a necessidade  de reconhecer que, qualquer que seja o objeto que tome o lugar daquele que partiu, constituirá uma nova experiência. Não é uma continuidade, mas uma nova relação.
O luto é uma espécie de limbo pelo qual temos que passar para termos condições de nos ligar a outro objeto.

Alessandro Poveda
Psicanalista SAC
(11) 94945-8735
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