Os dicionários trazem significados negativos para a palavra CIÚMES. Ela está associada à raiva, ódio, desgosto e infelicidade causados pela suspeita de uma traição ou pela sensação de perda de algo ou alguém. Esta leitura fica ainda mais evidente quando o ciúme motiva uma ação violenta e/ou criminosa.
Embora tenha esta carga negativa, a etimologia da palavra nos traz outra perspectiva. Ela é originária do latim “zelúmen” ou do grego “zelosus”, que remetem à ideia de zelo, fervor, ardor e desejo. Teoricamente o ciumento é aquele que zela e que deseja intensamente. O problema é justamente quando esses sentimentos excedem os limites.
Para Freud o ciúme se apresenta em três formas, tendo esses, diferentes graus de intensidade, desde o natural até o patológico.
CIÚME NORMAL
“Essencialmente se compõe de pesar, de sofrimento causado pelo pensamento de perder o objeto amado, e da ferida narcísica” e de “sentimentos de inimizade contra o rival bem-sucedido e de maior ou menor quantidade de autocrítica, que procura responsabilizar por sua perda o próprio ego do sujeito”.
No ciúme normal estão contidas as questões mais comuns enfrentadas no cotidiano e que se constituem matéria prima de terapia e análise, uma em relação ao outro, outra em relação a si mesmo, e outra em relação a um terceiro:
– A Perda do Objeto: Aquela sensação de que algo nos pertence, no caso, o outro, e agora ele se vai. Não por acaso usamos no cotidiano “sua/minha mulher” (o inverso é menos comum “meu homem”) e dizemos que alguém “tem dono”. Vale lembrar que historicamente a mulher era dada em casamento por escolha dos pais. Esta perda do objeto exige um trabalho de LUTO. Toda perda exige. E esse luto será marcado por etapas, até chegar à aceitação.
– A Ferida Narcísica: O ciúme também revela algo sobre nós, além do outro. Aquela sensação desconfortante de perceber que não é indispensável. Chegamos ao triste dado de realidade que é “o outro sobrevive sem mim”.
– O Rival: A presença de uma terceira pessoa, que em nossa fantasia é, mais forte, mais bela, mais desejável, que nos traz a sensação de derrota, de impotência, de que existe alguém que é “mais”.
– A Culpa: É inevitável que, numa situação de perda, busquemos culpados. Por vezes será o outro ou o terceiro, porém, essa sensação também encontrará em si mesmo um culpado: “eu poderia ter evitado”, “eu poderia ser melhor”.
CIÚME PROJETADO
– A projeção: É um mecanismo de defesa que visa proteger o ego de sensações desagradáveis, projetando seus próprios pensamentos, motivações, desejos e sentimentos indesejáveis numa ou mais pessoas.
Para Freud, o ciúme projetado, “deriva-se tanto nos homens quanto nas mulheres, de sua própria infidelidade concreta na vida real ou de impulsos no sentido dela que sucumbiram à repressão”.
Muitos casos de ciúme intenso, quando há ações de cerceamento da liberdade ou perseguição, são motivados por indivíduos em situação de infidelidade ou que possuem fortes desejos fora do âmbito do relacionamento. Em alguns casos emblemáticos o ciumento projetivo sonha com o parceiro traindo e depois pressiona-o para que se esclareça (obviamente desconhecendo um princípio básico da interpretação dos sonhos… Seu conteúdo pertence ao sonhador).
Vale ressaltar que não significa necessariamente que todo ciumento seja infiel, afinal, o primeiro tópico já demonstra isso.
CIÚME DELIRANTE
Talvez o mais incomum, ou pelo menos, o mais oculto. De certa forma, o mais difícil de se compreender ou mesmo aceitar…
Segundo Freud, o ciúme projetado “tem sua origem em impulsos reprimidos no sentido da infidelidade, mas o objeto, nestes casos, é o mesmo sexo do sujeito. O ciúme delirante é a sobra de uma homossexualidade que cumpriu seu curso e corretamente toma sua posição entre as formas clássicas da paranoia” o sujeito se defende inconscientemente do impulso homossexual desta forma: “Eu não o amo, é ela que o ama!”
No ciúme delirante de fato há um desejo por um terceiro, mas esse desejo não é do parceiro, mas do próprio indivíduo. O que certamente despertará um conjunto de mecanismos de defesa secundários para lidar com a angústia da não realização.
Diante dessas possibilidades, é importante perceber que não se deve emitir juízo sobre o ciúme do outro. O grande exercício é observar qual é a relação entre nosso próprio ciúme e o desejo nele implícito. A maneira como o indivíduo lida com o ciúme em sua relação com o outro pode ajudar a determinar seu nível de normalidade ou patologia.
(Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Alguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranoia e no homossexualismo / Além do princípio de prazer, psicologia de grupo e outros trabalhos).
Alessandro Poveda Psicanalista SAC (11) 94945-8735