“Os processos do sistema Ics [inconsciente] são intemporais; isto é, não são ordenados temporalmente, não se alteram com a passagem do tempo; não têm absolutamente qualquer referência ao tempo. A referência ao tempo vincula-se, mais uma vez, ao trabalho do sistema Cs [consciente]”. (Sigmund Freud)
Um dos pilares da Psicanálise, talvez a maior contribuição de Freud para a compreensão do funcionamento da mente humana, é formulação sobre o Inconsciente. Hoje a palavra praticamente possui a representação que ele a atribuiu. Segundo sua primeira tópica, nossa estrutura psíquica é dividida em Consciente (presente, acessível e controlável), Pré-consciente (passado, relativamente conhecido e acessível) e Inconsciente (desconhecido, inacessível e atemporal). Esse inconsciente guarda, ou pelo menos tenta, aqueles pensamentos, sentimentos e sensações que, por diversas razões, não são aceitos no nível do consciente, como experiências desagradáveis, fantasias, conteúdos reprimidos, desejos violentos e de ordem sexual, etc.
Dentre as características do inconsciente, uma que requer certo esforço para a compreensão é a atemporalidade. Nele não existe ontem e não existe amanhã. Nossa relação com o tempo se dá no nível da consciência. De forma que, um conteúdo inconsciente passado emerge (por meio de parapraxias) com a veracidade ou intensidade do tempo presente. Analisando algumas de suas pacientes, Freud conclui:
“Estes [sintomas] criam, portanto, um substituto, da satisfação frustrada, realizando uma regressão da libido a épocas de desenvolvimento anteriores, regressão a que necessariamente se vincula um retorno a estádios anteriores de escolha objetal ou de organização […] os neuróticos estão ancorados em algum ponto do seu passado; agora sabemos que esse ponto é um período do seu passado, no qual sua libido não se privava de satisfação, no qual eram felizes”.
As crianças talvez sejam as que manifestam mais facilmente a existência deste inconsciente. Por estarem ainda em formação, com uma estrutura incompleta, não finalizaram o processo de constituição de sua psique, que resulta na instauração do Superego. Ele é responsável por nossa relação com a lei, com os impedimentos, com as regras. Logo, há uma espécie de “porta-aberta” para esses conteúdos, dos quais adultos, por força do recalque, são capazes de ocultar para se adequar às normas sociais. Falando em crianças:
…Toda vez que passava em frente ao McDonalds, Ana, aos 3 anos e meio, pedia para que seu pai a levasse lá para comer e brincar. Ela nunca havia entrado na lanchonete, e a resposta do pai era sempre “depois a gente vai”. Até que um dia ele a levou. Ele relata que, nas semanas seguintes ela sempre dizia “Papai, ontem fui no ‘MecDonatiu’. Me leva de novo!”.
Agora, passados mais de dois meses, ela insiste que “ontem” foi ao McDonald’s.
Esta é a intemporalidade do inconsciente. Uma tentativa de alcançar o prazer que a mente julga estar bem próximo, logo ali, a um estender de mão, no “ONTEM”. Ela alavanca o desejo de satisfação imediata e de recordar uma experiência agradável gravada como tatuagem em nossa história.
Esse mesmo processo ocorre com a situação desagradável. Ela é censurada pelos mecanismos de defesa do ego. Mas a sensação será ativada sempre que uma nova e marcante aconteça. E será sentida de maneira visceral, como se fizesse parte do presente. Por isso, quando você chora um por um amor, pode (ainda) estar chorando pelo primeiro, ou por todos os anteriores. Quando chora por um luto, pode estar chorando por vários.
Em breve Ana vai entender que não foi ontem a visita ao Mc. Mas, como conseqüência, vai sempre tentar repetir aquela sensação de prazer registrada em sua história. Pois ali ela ‘foi feliz’.
Alessandro Poveda Psicanalista SAC (11) 94945-8735