Existe um momento no tempo que é imutável, uma parte inacessível que está escrita na rocha com a caneta da história. Esta só pode ser modificada pela genial criatividade de cineastas, como Steven Spielberg em “De volta para o Futuro”. Este momento chama-se PASSADO. O que aconteceu nele pode até ser ocultado, distorcido ou inventado, mas não pode ser refeito, alterado ou revivido.
Todos nós temos uma história. Podemos nascer com heranças genéticas, e algumas possibilidades biológicas, que são nossa “introdução”, mas as demais páginas de nosso livro chegam em branco e passam a ser escritas a partir dos primeiros segundos de vida. Agora, em que isso é relevante para meu relacionamento hoje?
Imagine que nossa sexualidade, assim como a dinâmica de nossas relações, se desenvolve desde a primeira infância, conforme teorizou o pai da psicanálise, Freud. Salvo exceções, os primeiros agentes dessas relações são os pais, enquanto irmãos, avós, tios, primos são os secundários. A forma como você se relacionava com eles e a maneira como conduziram o processo será determinante para construção da suas relações futuras. Dentro desta dinâmica partimos para o chamado Complexo de Édipo, o qual tentarei, de forma resumida e simplificada, definir:
COMPLEXO DE ÉDIPO é fenômeno composto de sentimentos ambíguos de amor e ódio oriundos dos desejos dos filhos em relação aos genitores de sexo oposto e acontece entre os 5 e 6 anos de idade.
Segundo Freud, ele se manifesta no menino desejando a mãe e querendo eliminar o pai, seu concorrente; e na menina desejando o pai e rivalizando com a mãe. De maneira natural, a tendência é que a criança passe a imitar o genitor de mesmo sexo por entender que este atrai a atenção do outro.
Em um determinado momento esses desejos são abandonados no processo denominado ‘castração’. Ela acontece para ambos os sexos e de forma simbólica. A castração é que torna possível a vida em sociedade e a nossa autonomia, transformando-nos em seres sociais.
Uma vez passado o processo, a criança projeta seu desejo não mais no genitor, mas sim naquele que remete a ele, sendo que o critério de escolha é, como o próprio nome diz, bastante complexo. Em outras palavras, a criança agora busca um substituto do pai/mãe o mais próximo possível deste. Mas e aqueles casos onde parece não haver semelhança entre o genitor e o objeto da paixão?
É importante observar que a referência pode ser positiva ou negativa, ou seja, posso buscar alguém idêntica à minha mãe ou buscar a figura que seja o oposto desta. Mas ela continua sendo a referência. Além disso, a semelhança por mim encontrada pode ser bastante subjetiva, especialmente para a própria pessoa.
Embora seja tudo muito confuso, podemos observar algumas manifestações do complexo no comportamento cotidiano: Expressões como ‘amor só de mãe’; ou homens que, mesmo atingindo a idade adulta, parecem presos à mãe e incapazes de assumir responsabilidades; mães que parecem disputar a atenção e aprovação do filho contra a nora; mães que se unem à nora para “administrar” as ações do filho; mulheres que buscam o mesmo afeto e carinho que tiveram do pai; ou mulheres confusas quanto ao modelo de homem que desejam pelo fato de terem sido privadas da presença dele; moças que se interessam por homens muito mais velhos, buscando a segurança e afeto que julgavam possuir – criando às vezes até uma relação de submissão, etc.
Vale lembrar que essas são apenas características superficiais – os chamados “traços edipianos”. Cada indivíduo tem sua história e suas peculiaridades. Há casos complexos que culminam em neuroses e prejudicam as relações. Nas palavras de Freud, “As neuroses são determinadas pela história de amor do indivíduo”. Conforme já vimos em “Autoestima”.
Se ainda parece absurdo, não se preocupe, é compreensível. Porém, tente fazer o exercício de observar por que se apaixonou por aquele homem. Tente analisar quais foram os atributos dele que te chamaram atenção. Que características você valorizou nele, estude também quais defeitos ele possui e o que te lembram. Da mesma forma, quais defeitos você não suportava em seu ex. Depois tente analisar o que essas características têm a ver com sua história de vida, especialmente na infância.
Já se viu no meio de uma discussão soltando a frase “Você ta parecendo o meu pai!”? Que comportamentos de sua mãe você reproduz? Já observou seu namorado/marido ao lado de seu pai, conversando como se se conhecessem desde a infância? Já encontrou semelhanças mesmo em meio a brincadeiras? “Brincando pode-se dizer de tudo, até mesmo a verdade”. (Freud)
Seu relacionamento pode trazer muitas ‘coincidências’ da relação parental e, em alguns casos pode ser até cópia da relação entre seus pais. Por isso, ouso perguntar…
Qual a sua angústia no relacionamento? O que lhe aflige?
Qual a problemática envolvida em sua relação? Exemplos:
- Meu marido namorado não supre minhas necessidades…
Quais são elas? O que espera? - Não dou certo com ninguém…
Está buscando o que? De que forma? - Não há diálogo…
Como você se expressa? Como recebe informação? - Não consigo confiar em ninguém…
Do que tem medo? Como esse sentimento se apresenta? - Sou muito ciumenta…
Existe razão? Há um embasamento? O que teme? - Não me acho atraente/bonita…
Com que olhos está olhando? Com os seus ou dos outros?
Essas são algumas questões que podem ser levantadas para que entendamos a dinâmica de nossa relação e para que observemos se nossa queixa tem embasamento na situação atual em que nos encontramos. Muitas frustrações são fruto da construção de uma expectativa baseada não na realidade, mas na fantasia criada para superar uma frustração anterior.
Pode até ser que você não simpatize com a teoria freudiana. Se este for o caso, você precisa refletir sobre as seguintes questões: Qual o princípio de suas relações afetuosas? Quem foi sua primeira paixão? O que essa pessoa tinha de especial e que chamou sua atenção? De onde surgiu seu modelo?
Compreender o que desejamos é um importante passo para perceber por que não alcançamos. Dependendo da dinâmica de sua estrutura, é necessário ajustar.
A fase do Édipo é normal é necessária para o desenvolvimento do indivíduo.
Ela pode ser superada de maneira saudável e assim colaborar para a saúde das futuras relações. Eventuais traumas podem também ser superados. O importante é identificar as razões das angústias. Observar os erros de nossos pais e não copiá-los é uma boa forma de aprendizado.
Resta-nos então é utilizar o passado da melhor maneira possível tanto para compreender nosso presente como para projetar nosso futuro. Saber interpretar nossa infância, adolescência e juventude nos ajuda a perceber porque pensamos, sentimos e agimos de determinadas formas. Não podemos mudar o passado, mas podemos mudar nossa interpretação e percepção sobre ele. Desta forma podemos minimizar os impactos negativos causados por ele muitas vezes reproduzidos em nosso cotidiano. Sob esta ótica podemos analisar e melhorar nossos relacionamentos.
Alessandro Poveda Psicanalista SAC (11) 94945-8735