Nas últimas décadas, especialmente depois da grande revolução digital, enfrentamos uma gigantesca ocorrência de um mal-estar ligado ao trabalho. Não que as condições trabalhistas anteriores fossem melhores, muito pelo contrário. Porém, essa modalidade de sofrimento pode acometer pessoas que desfrutam de certa estrutura que maquia sua destrutividade, muitas vezes com salários altos, benefícios como participação, prêmios, trabalho remoto ou ambiente “cool”, como nas agências de publicidade. A obrigação de atingir metas, de ser cada vez mais polivalente – participando de todos os processos, entregar mais e melhor, a necessidade de estar sempre sorrindo, bem disposto e não permitir que questões pessoais interfiram no rendimento. Esses e outros fatores, como autocobrança e ambições pessoais, transformam o trabalho numa espécie de prisão com ar-condicionado (quando possuem).
Esse mal-estar é conhecido e catalogado home como SINDROME DE BURN-OUT. Uma condição clínica que excede o limite do estresse no trabalho, um esgotamento descrito na Classificação Internacional de Doenças (CID10) como “Estado de Exaustão Vital”.
O termo tem suas primeiras aparições nas décadas de 50 e 60, porém os créditos pelo seu uso como conhecemos é atribuído ao psicólogo germano-americano Herbert J. Freudenberger, que, 1974, escreveu o artigo “Staff Burn-Out” que fala de um “incêndio interno”, fruto do desgaste de energia e recursos nas relações entre o sujeito e seu trabalho. A expressão vem do inglês (to burn: arder, queimar; out: até o fim), significando literalmente, significa “queimar até a chama desvanecer, ou seja, um “fogo que vai se apagando aos poucos, até definitivamente cessar”.
“Enfim, uma metáfora para significar aquilo ou aquele que chegou ao seu limite e, por falta de energia, não tem mais condições de desempenho físico ou mental.” (Ana Maria T. Benevides Pereira) Burn-out tem afastado cada vez mais pessoas do trabalho, e o Brasil já consta em alguma pesquisas como o segundo país em número de casos. Lembrando que estamos também entre os primeiros em número de diagnósticos de ansiedade e depressão.
Lendo sobre o assunto BURN-OUT me lembrei de uma das anedotas que Freud conta ao final de uma conferência:
“A literatura alemã conhece um vilarejo chamado Schilda, de cujos habitantes se contam todas as espertezas possíveis. Dizem que possuíam eles um cavalo com cuja força e trabalho estavam satisfeitíssimos. Uma só coisa lamentavam: consumia aveia demais e esta era cara. Resolveram tirá-lo pouco a pouco desse mau costume, diminuindo a ração de alguns grãos diariamente, até acostumá-lo à abstinência completa. Durante certo tempo tudo correu magnificamente; o cavalo já estava comendo apenas um grãozinho e no dia seguinte devia finalmente trabalhar sem alimento algum. No outro dia amanheceu morto o pérfido animal; e os cidadãos de Schilda não sabiam explicar por que. Nós nos inclinaremos a crer que o cavalo morreu de fome e que sem certa ração de aveia não podemos esperar em geral trabalho de animal algum”. (FREUD)
O cavalo da anedota continuou produzindo DA MESMA FORMA, mesmo em condições adversas. Talvez tenha dado algum sinal de desgaste, mas não foi reconhecido ou considerado pelos donos. Isso nos faz pensar na importância de expressar nossa angústia, nosso sofrimento, nossa situação. Infelizmente as condições de trabalho não são as melhores e muita gente têm de se sujeitar a tarefas árduas por não poder correr o risco do desemprego. Mas a síndrome de burn-out atinge diversas pessoas de diferentes classes econômicas e condições. É necessário dar um sinal!
Vale Lembrar que, para Freud, o termômetro razoável para avaliar a saúde mental de um sujeito é sua capacidade de amar (ter relações de afeto, de trocas sociais) e trabalhar (criar, produzir, transformar e sublimar). Se o trabalho nos toma demasiado tempo ou energia ao ponto de prejudicar o amor, deixa de ser funcionalidade e passa a ser disfuncionalidade. Repare que ele usa o termo “prazer”, ou seja, a ausência dele é sinal de falta de aveia.
“Outra técnica para afastar o sofrimento reside no emprego dos deslocamentos de libido que nosso aparelho mental possibilita e através dos quais sua função ganha tanta flexibilidade […] Obtém-se o máximo quando se consegue intensificar suficientemente a produção de PRAZER a partir das fontes do trabalho psíquico e intelectual.” (FREUD)
Alessandro Poveda Psicanalista SAC (11) 94945-8735